O estudo das relações entre o campo magnético e os seres vivos é dividido, metodologicamente, em duas áreas: a magnetobiologia e o biomagnetismo (1). A primeira trata dos possíveis efeitos produzidos por esse campo sobre os seres vivos. O biomagnetismo, por sua vez, ocupa-se das medidas diretas de campos magnéticos gerados pelos próprios seres vivos para, então, encontrar novas informações que possam ser úteis ao entendimento de sistemas biofísicos, desde diagnósticos clínicos até a terapia. Por necessitar de instrumental altamente sensível, desenvolvido somente na década de 1970, o biomagnetismo é relativamente novo quando comparado a outras áreas interdisciplinares que envolvem a física.
Dentre os principais campos de pesquisa, podemos destacar o neuromagnetismo, o cardiomagnetismo, o gastromagnetismo, a biosusceptibilidade magnética e o pneumomagnetismo (2).
Neste artigo, estamos interessados na descrição da magnetoencefalografia (MEG) que, conforme o próprio nome indica, refere-se ao estudo dos campos magnéticos produzidos pelo cérebro. Esses campos aparecem devido à atividade elétrica neuronal, que é caracterizada pela passagem de corrente elétrica ao longo da estrutura dos neurônios, em resposta ao gradiente de concentração de diferentes eletrólitos através da membrana de uma célula nervosa. Essa corrente elétrica altera as concentrações de certos íons, fazendo surgir um potencial de ação que se propaga ao longo da célula nervosa e que, por sua vez, faz aparecer um campo magnético de intensidade e sentido bem definidos.
Semelhante ao eletroencefalograma (EEG), primeiramente registrado em 1929, pelo psiquiatra alemão Hans Berger (1873-1941), a magnetoencefalografia (MEG) mede, de maneira não-invasiva, a propagação de um estímulo nervoso no cérebro. No entanto, os sinais magnéticos associados a essa corrente são tênues, bem menos intensos que seus equivalentes elétricos, estando na faixa de nT (10-9T) a fT (10-15T), o que corresponde a aproximadamente um bilionésimo do campo magnético da Terra, que é de 20 mT em nossa região.
Além do campo magnético terrestre, existem outras fontes de campos magnéticos provenientes de ruído urbano, denominadas de "ruídos magnéticos ambientais", que dificultam as medidas biomagnéticas. Dentre as várias fontes, as mais comuns e mais intensas são: as redes elétricas, as antenas de comunicação, e os deslocamentos de grandes massas magnéticas como carros e elevadores.
Em razão dessa série de complicadores, o surgimento da MEG só aconteceu 40 anos depois dos primeiros traçados eletroencefalográficos, ou seja, no final da década de 1960. Em um estudo pioneiro, David Cohen (3), então coordenador do Francis Bitter Magnetic Laboratory, integrado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), mediu a atividade magnética cerebral utilizando indutores magnéticos alojados em uma câmara magneticamente blindada.
Um ano mais tarde, James Zimmerman (4) apresentou, pela primeira vez, detectores de fluxo magnético altamente sensíveis, mediante a utilização de materiais supercondutores, conhecidos como Superconducting Quantum Interference Devices (SQUIDs), e registrou a atividade cardíaca de seres humanos. Em 1972, o próprio doutor Cohen registrou, com a tecnologia dos SQUIDs, a atividade espontânea alfa cerebral em humanos (5).
Desde então, a MEG vem sofrendo avanços constantes na detecção de sinais cerebrais, com o desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitaram a construção de sistemas altamente eficientes. Além disso, a modelagem das fontes de corrente, com algoritmos robustos, permite à MEG aliar a alta resolução espacial da ressonância magnética à excelente resolução temporal da eletroencefalografia, inferior a 10 ms.
A utilização da MEG também passa pela necessidade clínica, em especial de pacientes que serão submetidos à intervenção cirúrgica. Nesses casos, o mapeamento pré-cirúrgico de regiões corticais eloqüentes, como áreas motoras, somato-sensoriais e de linguagem, é imperativo. É indispensável buscar manter a integridade funcional de regiões subjacentes e adjacentes àquelas que serão cirurgicamente removidas.
Além do mapeamento pré-cirúrgico, a MEG tem se destacado na investigação de processos cerebrais complexos. Como exemplo dessa aplicação, foi investigado, em um trabalho recente, o envolvimento de padrões oscilatórios cerebrais em tarefas de navegação em seres humanos assintomáticos. Para estudar esse problema, uma cidade em realidade virtual foi criada, por meio de um programa comercial, Duke Nuken 3D (3D Realms, Inc.). Usando um mouse para navegar, medimos os padrões de oscilação neuronal espontânea que estivessem relacionados à atividade cognitiva de navegação. Como conclusão, acreditamos que os ritmos do tipo teta, cuja freqüência está entre 4-7 Hz, têm um papel fundamental no ato de mover-se por entre ambientes familiares ou não (6).
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